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brasileiro, casado, três filhos, professor de Hebraico, Crítica do AT, Arqueologia e Grego. Bacharel em Teologia e Licenciado em Letras - Administrador de Redes

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quinta-feira, 2 de abril de 2009

Análise do Discurso em The Da Vinci Code com base no arcabouço teórico de análise ideológica de John B. Thompson

Análise do Discurso em The Da Vinci Code com base no arcabouço teórico de análise ideológica de John B. Thompson - segundo capítulo do TCC defendido na Universidade Braz Cubas em 2006 por José Ribeiro Neto

Neste capítulo verificaremos a descrição das personagens do livro de Dan Brown (2003) de modo a podermos entender como o autor, através da linguagem, deixa implícita a sua ideologia na obra The Da Vinci Code. Para isso, citaremos trechos da obra em que ele descreve as principais personagens de seu romance, de modo que, por meio dessas descrições possamos verificar, utilizando da Análise de Discurso Crítica e seguindo o arcabouço teórico de análise ideológica de Thompson, como Brown incute ao seu leitor seu pensamento a respeito dos temas referentes a Jesus, Maria Madalena, os evangelhos gnósticos, dentre outros temas relacionados com a temática da obra.
Precisaremos também intercalar a teoria de Thompson com pesquisas bíblicas acadêmicas na área de estudos do Antigo Testamento e principalmente do Novo Testamento a fim de comprovarmos a inconsistência de algumas das principais afirmações implícitas ou explícitas em Brown (2003) sobre os temas abordados em The Da Vinci Code. Utilizaremos para tanto, de autores especialistas na área de estudos bíblicos bem como de evidências arqueológicas da paleografia, dos estudos das línguas originais da Bíblia (hebraico, aramaico e grego) e de fontes históricas que fundamentem as nossas afirmações. Serão usadas ainda diversas notas de rodapé para explicar termos técnicos da área teológica ou para explicar melhor alguns fatos históricos, lingüísticos e bíblicos.

2.1 Descrição das personagens
Brown (2003) descreve as personagens de seu romance de modo a construir os elementos necessários para persuadir seu leitor a admitir como certo, como válido o sentido que quer produzir, conforme nos diz Fiorin (2002, p. 52-53) sobre as relações entre enunciador e enunciatário. Nas descrições das personagens abaixo, perceberemos implicitamente essas intenções1. Vejamos então essas descrições e percebamos a carga de motivação que elas carregam:


JACQUES SAUNIÈRE (Chapter 4, p. 25)
Langdon sensed Fache did not see at all. Jacques Sauière was considered the premiere goddess iconographer on earth. No only did Saunière have a personal passion for relics relating to fertility, goddess cults, Wicca, and the sacred feminine, but during his twenty-year tenure as curator, Saunière had helped the Louvre amass the largest collection of goddess art on earth – labrys axés from the priestesses’ oldest Greek shine in Delphi, gold caducei wands, hundreds of Tjet ankhs resembling small standing angels, sistrum rattles used in ancient Egypt to dispel evil spirits, and an astonishing array of statues decipicting Horus being nursed by the goddess Isis.

É evidente que nessa descrição Brown valoriza a personagem de Jacques Saunière com as palavras “..was considered the primiere goddess iconographer on earth.”, é uma forma de colocá-lo como um estudioso renomado e reconhecido nos meios acadêmicos, “...had helped the Louvre amass the largest collection of goddess art on earth”, a repetição da expressão “on earth” é uma espécie de elemento de persuasão para que o leitor se sinta induzido que não se trata de qualquer curioso, mas o maior especialista no assunto em todo o mundo, conduzindo o seus interlocutores a acreditarem que sua personagem tinha profundo conhecimento do assunto. Tais afirmações servirão aos propósitos posteriores do romance de convencer os leitores a acreditarem que o sagrado feminino foi perseguido, mas constitui uma espécie de religião primordial da humanidade.

ARINGAROSA (Chapter 5, p. 31):
As president-general of Opus Dei, Bishop Aringarosa had spent the last decade of his life spreading the message of “God’s Work” – literally, Opus Dei. The congregation founded in 1928 by Spanish priest Josemaría Escrivã, promoted a return to conservative Catholic values and encouraged its membres to make sweeping sacrificies in their own lives in order to do the Work of God.

A descrição dessa personagem é o contraponto da anterior, aliás, em todo o romance Brown faz contrastes. Enquanto Saunière é descrito como um estudioso, pesquisador, o maior especialista em todo o mundo, Aringarosa “had spent the last decade of his life spreading the message of `God’s Work...” e é president-general de uma instituição cujos valores “...encouraged its membres to make sweeping sacrificies in their own lives in order to do the Work of God.”. Ao ler The Da Vinci Code percebe-se esse contraste entre as instituições cristãs e as pagãs, aquelas sempre associadas a valores e estas sempre descritas como fruto de pesquisas científicas.2
Aringarosa é uma espécie de símbolo de atraso, de opressão e de imposição de conceitos medievais, enquanto que Saunière é símbolo de liberdade de inovação e de avanço científico.3

SILAS (Chapter 2, p. 12):
One mile away, the hulking albino named Silas limped through the front gate of the luxurious brownstone residence on Rue La Bruyére. The spiked cilice belt that he wore around his thing cut into his flesh, and yet his soul sang with satisfaction of service to the Lord.
Pain is good.
His red eyes scanned the lobby as he entered the residence. Empty. He climbed the stairs quietly, not wanting to awaken any of his fellow numeraries. His bedroom door was open; lock were forbidden here. He entered, closing the door behind him.

Na descrição de Silas notamos novamente o dualismo entre as instituições católicas e seus seguidores e as instituições pagãs e seus adeptos. Enquanto Aringarosa é o contraste de Saunière, Silas é o contraste de Sophie e Langdon. É descrito como um servo subserviente de Aringarosa e “...his soul sang with satisfaction of service to the Lord”, à medida em que o enredo do romance se desenrola percebe-se que as palavras dessa narrativa são irônicas, levando o leitor a ver o catolicismo e seus seguidores como antítipos de Silas, ou seja, Silas representa a cegueira e subserviência dos adeptos do catolicismo, que são fiéis servos, mas iludidos por um sistema opressor.

ROBERT LANGDON (Chapter 1, p. 7):
THE AMERICAN UNIVERSITY OF PARIS
Proudly presents
AN EVENING WITH ROBERT LANGDON
PROFESSOR OF RELIGIOUS SYMBOLOGY,
HARVARD UNIVERSYTY

Com poucas palavras, em um papel de anúncio, é perceptível a valorização que Brown dá ao herói de seu romance. Essa representação simbólica dada a Langdon será importante, pois na fala da personagem é que Brown procurará levar seus leitores a aceitar as afirmações implícitas sobre o “sagrado feminino” e sua superioridade em relação ao “machismo católico-cristão”, bem como outras afirmações de Lagdon sobre Jesus, Constantino, Evangelhos, etc.

SOPHIE NEVEU (Chapter 9, p. 55)
Sophie Neveu was one of DCPJ’s biggest mistakes. A young Parisian déchiffreuse who had studied cryptography in England at the Royal Holloway, Sophie Neveu had been foisted on Fache two years ago as part of the ministry’s attempt to incorporate more women into the police force. The ministry’s ongoing foray into political corectness, Fache argued, was weakening the departament. (...)
At thirty-two years old, she had a dogged determination that bordered on obstinate. Her eager espousal of Britain’s new criptologic methodology continually exasperated the most troubling to Fache was the inescapable universal truth that in na Office of middle-aged men, na attractive Young woman always drew eyes away from the work at hand.

Sophie Neveu é a heroína per excellence do romance, é a personagem mais valorizada por Brown, ela é o símbolo do sagrado feminino; inteligente, eficiente, jovem, atraente, motorista habilidosa, decifradora de enigmas, dentre tantas outras qualidades e habilidades dadas a ela por Brown.
Sophie, no desenrolar do enredo, é descrita como descendente de reis, portadora do Sangue Real. O climax do romance é justamente quando é descoberto que a heroína tem o sangue de Jesus correndo em suas veias. Seu oposto é Captain Bezu Fache, que por diversas vezes é descrito como inferior e menos inteligente que ela.

SIR LEIGH TEABING (Chapter 51, p. 236, 237, 238)
Langdon had first met Teabing several years ago through the British Broadcasting Corporation. Teabing had approached the BBC with a proposal for a historical documentary in which he would expose the explosive history of the Holy Grail to a mainstream television audience. (...)
“Teabing has spent his life trying to broadcast the truth about the Holy Grail. The Priory’s oath is to keep its true nature hidden.”
Langdon paused. “I’ll tel you at Teabing’s. He and I specialize in different áreas of the legend so between the two of us, you’ll get the full story.” Langdon smiled. “Besides, the Grail has been Teabing’s life, and hearing the story of the Holy Grail from Leigh Teabing will be like hearing the theory of relativity from Einstein himself.”

Percebe-se que Teabing é também o contraste com Aringarosa, tal fato é principalmente notado na mesma expressão “has spent his life trying to broadcast the truth about the Holy Grail. The Priory’s oath is to keep its true nature hidden”. A diferença é que Teabing é descrito como um estudioso renomado, um especialista comparado a Albert Einstein. Essa descrição será, sem dúvida, a mais importante em The Da Vinci Code, pois é da fala de Teabing que sairá o que podemos chamar de fundamentação da tese do romance.

CAPTAIN BEZU FACHE (Chapter 4, p. 22)
Captain Bezu Fache carried himself like na angry ox, with his wide shoulders thrown back and his chin tucked hard into his chest. His dark hair was slicked back with oil, accentuating an arrow-like widow’s peak that divided his jutting brow and preceded him like the prow of a battleship. As he advanced, his dark eyes seemed to sorch the earth before him, radiating a fiery clarity that forecast his reputation for unblinking severity in all matters.

Aqui a personagem é descrita usando suas características físicas como símbolos de seu caráter, determinação e dureza de personalidade. É o antagonista do enredo, persegue Langdon e Sophie o tempo todo e sempre é descrito como inferior aos dois em inteligência.

OPUS DEI (Fact)4
The Vatican prelature known as Opus Dei is a deeply devout Catholic sect that has been the topic of recent controversy due to reports of brain-washing, coercion, and dangerous pratice known as “corporal mortification.” Opus Dei has just completed construction of a $47 million National Headquarters at 243 Lexington Avenue in New York City

A instituição católica Opus Dei é no romance de Brown uma espécie de personagem coletiva, também antagonista e está em oposição ao Priorado de Sião. É opulenta, coercitiva e perigosa, milionária e descrita como uma instituição que sabe do segredo de Jesus e Maria Madalena, mas tenta esconder, perseguir e matar os adeptos do Priorado que detém elementos que podem revelar esse segredo e carregam o Sangue Real.

THE PRIORY OF SION (Fact)
The Priory of Sion – A European secret society founded in 1099 – is real organization. In 1975 Paris’s bibliothèque Nationale discovered parchments known as Les Dossiers Secrets, identifying numerous membres of the Priory of Sion, incluinding Sir Isaac Newton, Botticelli, Victor Hugo and Leonardo da Vinci.

O discurso ideológico de Brown é sutilmente percebido aqui, apesar de deixar claro nas páginas introdutórias que se trata de um romance, o autor procura nas primeiras páginas levar o leitor a aceitar que as informações a respeito de instituições e documentos descritas no romance são verídicas. Na citação acima percebemos que o autor relaciona pessoas de importância na história como tendo feito parte do Priorado de Sião.

2.2 Enredo do romance

O Enredo do romance se desenvolve da seguinte forma: 5 Enquanto está em Paris para uma palestra sobre simbologia religiosa, Robert Langdon, um estudioso de simbologia de Harvard, recebe um telefone em que é informado que o curador do museu do Louvre foi assassinado dentro do museu.
Tendo sido chamado para decifrar figuras enigmáticas próximas ao corpo encontra-se com a criptologista Sophie Nevue, mais tarde fica sabendo que a mesma era neta do falecido Jacques Saunière, o curador do museu. Desconfiando de Langdon, Captain Bezu, sorrateiramente procura segurá-lo no museu para posteriormente incriminá-lo, sendo informado por Sophie do plano do policial inicia-se uma fuga do museu em meio a uma tentativa de decifrar as mensagens secretas deixadas por Saunière nos seus últimos momentos de vida.
Paralelamente a esses acontecimentos somos informados de Silas, assassino de Sanière e servo fiel de Aringarosa, presidente da Opus Dei, uma sociedade misteriosa ultra-ortodoxa dentro da igreja católica, está tentando impedir que segredos milenares que comprometerão todo o cristianismo sejam revelados. Entre perseguições e mistérios revelados, ficamos sabendo que Leonardo Da Vinci, em sua pintura da Santa Ceia, deixa implícitos segredos sobre uma outra história da vida de Jesus. Ele foi casado com Maria Madalena e teve uma filha chamada Sara, perpetuando a sua semente, o Sangue Real (Santo Graal), este fato foi escondido pela igreja católica que no decorrer da história perseguiu as mulheres, escondendo e inibindo o culto ao sagrado feminino. Por intermédio de Constantino, que no Concílio de Nicéia impediu a entrada dos evangelhos gnósticos que valorizavam a mulher e o sagrado feminino. O Priorado de Sião é então a sociedade secreta que procura manter viva essa verdade e preservar o Sangue Real de Jesus, a Opus Dei, sua opositora, procura impedir a revelação dessa verdade, tudo isso é informado em uma conversa noturna na casa de um rico estudioso aficionado pelo Santo Graal, Sir Leigh Teabing. Em meio a toda essa teoria da conspiração é nos informado que personagens ilustres da História tais como Isaac Newton, Leonardo Da Vinci e o próprio Saunière faziam parte do Priorado de Sião e eram mantenedores desse segredo, que o Santo Graal era uma mulher, Maria Madalena e que o fruto do ventre dessa mulher guardava a semente de Jesus. Por fim, na procura de Langdon e Sophie pelo Sangue Real descobre-se após desvendarem-se vários enigmas que a própria Sophie era descendente de Jesus e carregava o Sangue Real em suas veias.
Após verificarmos o modo como Brown descreve suas personagens e desenvolve o enredo do romance, podemos analisar a obra através do arcabouço teórico para análise ideológica presente em Thompson (1995, p.81), o que veremos detalhadamente nos tópicos a seguir.

2.3 Legitimação

Todos nós queremos dar legitimação ao que falamos e para isso nos utilizamos recursos lingüísticos, conscientes ou inconscientes, de modo que o nosso falar leva nosso interlocutor a aceitar as afirmativas ou negações que fazemos. A legitimação não é exclusiva a nenhum tipo de discurso, todos os discursos (religioso, político, familiar, acadêmico, científico, etc.) possuí sua forma de fundamentar aquilo que diz para seus interlocutores, é evidente que na sociedade moderna e pós-moderna os discursos legitimados através de provas científicas são os mais aceitos e mais utilizados na mídia de massa e até mesmo em conversas informais.
Segundo THOMPSON (1998, p. 164):

O terceiro aspecto da tradição é o legitimador. A tradição pode, em certas circunstâncias, servir como fonte de apoio para o exercício do poder e da autoridade. Este aspecto foi muito bem abordado por Max Weber. De acordo com ele, há três maneiras principais de estabelecer a legitimidade de um sistema de dominação. Reivindicações de legitimidade podem se basear em fundamentos racionais, envolvendo uma crença na legalidade de normas promulgadas (que Weber chama de ‘autoridade legal’); podem se basear em fundamentos carismáticos, implicando a devoção à santidade ou ao caráter excepcional de um indivíduo (‘autoridade carismática’); ou podem se basear em fundamentos tradicionais, envolvendo uma crença no caráter sagrado das tradições imemoriais (‘autoridade tradicional’).

Dos aspectos tratados por Weber, de acordo com a citação acima, podemos verificar que Dan Brown, em The Da Vinci Code, utiliza-se muito mais da legitimação através de fundamentos racionais, é claro, contudo, que os fundamentos racionais são construídos através de muitos outros artifícios em que Brown busca levar os seus leitores a acreditarem na lógica dos argumentos do livro.
O estilo do livro em Romance Moderno pode também ser entendido como um artifício para não se comprometer tanto com os argumentos colocados, tendo em vista que o autor não é especialista em nem uma das áreas que discute no livro, não poderia escrever um livro de uma forma acadêmica para provar seus argumentos, assim, escreve em forma de romance, que é um estilo envolvente, conduzindo o leitor emocionalmente a acreditar em seus argumentos. Veremos nesse capítulo os recursos utilizados por Brown para dar legitimação aos argumentos colocados em seu romance.

2.3.1 Racionalização

Dan Brown se utiliza da Legitimação por meio da Racionalização quando procura fundamentar sua história em um personagem importante da história, Jesus. Através de uma cadeia de raciocínios procura mostrar que Jesus se casou com Maria Madalena, teve uma filha chamada Sara, a igreja católica perseguiu essa filha por ser um desafio ao machismo dominante na igreja.
A relação de acontecimentos continua quando Brown vai gradativamente mostrando fatos que aconteceram na história e ligando esses fatos à Opus Dei, uma sociedade secreta controversa dentro do catolicismo e o Priorado de Sião, uma extinta sociedade, mas que Brown afirma estar viva e sendo protetora do segredo do Sagrado Feminino e da Semente de Jesus.
Alguns pontos importantes nas afirmações implícitas em The Da Vinci Code precisam ser esclarecidas para verificarmos a falácia dos argumentos de Brown:
O que a Bíblia diz sobre Maria Madalena? 6
Lc 8.1-3 – discípula que foi liberta de demônios por Jesus e dava suporte a ele em suas viagens junto com outras mulheres.
Mt 27.55,56 – estava presente à crucificação. Em nenhum relato dos evangelhos ela é vista sozinha, sempre está com um grupo de mulheres (Mc 15.40,41; Jo 19.25), nunca é descrita isolada.
Mt 27.67 – no local da crucificação com a outra Maria, Mc 15.40 com a Maria mãe de Tiago, o jovem, e de José e Salomé, mais outras mulheres. As mencionadas eram importantes igualmente.
Mt 28.1 – como testemunha da ressurreição de Jesus, junto com outra Maria (Mc 16.1; Lc 8.2,3 apresenta ainda Joana e a mãe de Tiago).
Mc 16.9 – citada como aquela a quem Jesus apareceu e recebeu libertação de demônios. Lc 24.10 a apresenta numa comitiva.
João 20.11-18
É a única vez que Jesus e Maria Madalena estiveram sozinhos! Ela o vê ressuscitado! Alegre e surpresa se abraça a Ele!
Jesus, discreto, diz para ela aguardar a alegria no Reino dos Céus, com o Pai!
Ela sai de cena com a mensagem da ressurreição para levar adiante.
Alguns dizem que se tornou apóstola... Mas não como os 12 apóstolos!
A totalidade dos relatos bíblicos: 12 referências.
Sempre acompanhada, jamais citada ou relacionada com Jesus de outra forma.

No livro The Da Vinci Code, Brown (2003) coloca as seguintes palavras na boca de Teabing:
And the companion of the Saviour is Mary Magdalene. Christ loved her more than all the disciples and used to kiss her often on her mouth. The rest of the disciples were offended by it and expressed disapproval. They said him, “Why do you love her more than all of us?” 7
The words surprised Sophie, and yet they hardly seemed conclusive. “It says nothing of marriage.”
“Au contraire.” Teabing smiled8, poiting to the first line. “As any Aramaic scholar will tell you, the word companion, in those days, literally meant spouse.”

Pontuemos os erros cometidos por Brown em suas afirmações feitas na fala de Teabing:
O texto do Evangelho de Felipe não foi escrito em aramaico e sim em copta9, um desenvolvimento posterior do egípcio com caracteres gregos, sendo assim não temos como saber qual a palavra aramaica Jesus teria usado10, podemos somente supor11. No Novo Testamento grego temos a palavra guinaiki (gunaiki,)12, em Lucas 2.5, que significa mulher, mas usada no sentido de esposa 13.
Lutzer (2004, p. 78) nos diz algo semelhante sobre o fato:
Naturalmente, poderíamos observar que esse texto não nos chegou em aramaico, mas em copta. Além do mais, a palavra para “companheira”, em ambas as línguas, é muitas vezes usada em referência a “amizade” – de modo algum terá o significado invariável de “esposa”

Se quiséssemos avançar para levantar um hipótese do uso aramaico da palavra, poderíamos consultar a Peshita14, que traz em Marcos 15.40 a palavra nesha’ avn e aparece no plural em Marcos 5.33 como antta’ Ftna as mulheres. Ora, sendo o Evangelho de Felipe escrito em copta poderia utilizar a palavra s-hime (asswqwsHime)15 que é a palavra para mulher e traduziria o conceito aramaico de mulher, esposa, ou a palavra copta sheleet (Seleet) que é a palavra para casar, casamento.16 Mas como temos somente a tradução é impossível inferir qual foi a palavra utilizada por Jesus na conversa com os discípulos no texto do Evangelho de Filipe. Além do mais, no texto do Evangelho de Filipe há as seguintes brechas no manuscrito: “E a companheira de [.....] Maria Madalena. [.....amou] a ela mais que a [todos] os discípulos e [costumava] beijá-la [sempre] na [.....]”, ou seja, a palavra “boca” não aparece nem mesmo no texto copta, há uma brecha no manuscrito, é uma conjectura com base no espaçamento das letras. Nos outros tópicos desenvolveremos mais a questão dos evangelhos gnósticos.

2.3.2 Universalização

Segundo Thompsom (1995, p. 83):

Outra estratégia típica é a universalização. Através dessa estratégia, acordos institucionais que servem aos interesses de alguns indivíduos são apresentados como servindo aos interesses de todos, e esses acordos são vistos como estando abertos, em princípio, a qualquer um que tenha a habilidade e a tendência de ser neles bem sucedido.

A legitimação continua através da Universalização. Brown utiliza-se de interesses específicos, no caso os interesses da Opus Dei, como se fossem os interesses de toda a igreja católica, o que não condiz com a realidade, tendo em vista que o catolicismo romano ter em seu meio diversos grupos, os mais diferentes: Carmelitas, Franciscanos, Beneditinos, Carismáticos, etc. Cada qual com suas idiossincrasias e interesses particulares que não incluem nenhuma perseguição à mulheres e nenhum interesse em esconder o sagrado feminino. Aliás, existem várias ordens católicas lideradas por mulheres e que tem interesses mais voltados à caridade e a assistência à mulheres vítimas de preconceitos, prostituídas e tantos outros interesses que não são os interesses particulares da Opus Dei.
Mesmo a Opus Dei, tem, na verdade, interesses específicos desconhecidos, o que serve como base para Brown explorá-los e direcioná-los na legitimação de suas idéias universalizando tais interesses ocultos como se fossem os interesses de todo o cristianismo.

2.3.3 Narrativização

O terceiro argumento utilizado para a Legitimação é a Narrativização, para isso Brown utiliza-se de dois fatos históricos de grande importância para o cristianismo: A pessoa de Constantino e o Concílio de Nicéia.
As posições e atitudes controversas de Constantino no passado, sua conversão tardia, no leito de morte, seu patente uso de símbolos e datas pagãs, sua influência para a realização do Concílio de Nicéia e a própria discussão do Concílio são argumentos utilizados pelo autor como exigências de legitimação inseridas no passado que buscam dar legitimação para os argumentos do autor no presente: que os livros da Bíblia foram decididos por Constantino e aqueles livros que davam suporte ao Sagrado Feminino foram excluídos por razões machistas.
Vejamos dados históricos sobre Constantino no Concílio de Nicéia, como nos conta Lutzer (2004, p. 40-41):
O código Da Vinci, assim como muitos textos ocultistas, afirma que Constantino e seus representantes decidiram eliminar livros específicos do Novo Testamento, excluindo tudo o que se opusesse a sua teologia do domínio masculino e a seu esforço pela repressão sexual.
Pude ler visão semelhante em The Templar revelation [A revelação dos templários], livro em harmonia com O código Da Vinci que alega apresentar a plausibilidade histórica desses acontecimentos. (...)
(...) os dados históricos sobre Nicéia não trazem prova alguma de que Constantino e os representantes tivessem sequer discutido os evangelhos gnósticos ou qualquer outra coisa a respeito do cânon. Por mais que tentasse, não achei uma única linha nos documentos sobre Nicéia que registrasse algum debate sobre os livros que deveriam ou não entrar no Novo Testamento. Praticamente tudo o que sabemos sobre Nicéia vem do historiador Eusébio. Ora, nem ele nem mais ninguém dá qualquer sinal de que tais assuntos tivessem sido debatidos. Vinte decretos foram promulgados em Nicéia, e o conteúdo de cada um deles ainda está disponível. Nem um único diz respeito ao cânon.
Por sorte, consegui rastrear a fonte desse engano. O barão D’Holbach, em Ecce homo, escreve: “A definição dos evangelhos autênticos e espúrios não foi debatida no primeiro Concílio de Nicéia. Essa história é fictícia”. D’Holbach identifica Voltaire como a origem da ficção, mas, ao pesquisar mais profundamente descobrimos uma fonte ainda mais antiga para esse boato.
Um documento anônimo chamado Vetus Synodicon, escrito por volta de 887 d.C.; tem um capítulo dedicado a cada concílio realizado até aquela data. Todavia, o compilador acrescenta detalhes ausentes nos registros históricos. Em seu relato sobre Nicéia, ele escreve que o concílio tratou de assuntos como a divindade de Jesus, a Trindade e cânon.
Ele diz: “os livros canônicos e apócrifos foram diferenciados da seguinte maneira: na casa de Deus os livros eram colocados no chão, ao lado do altar sagrado. Então o conselho orava ao Senhor, pedindo que as obras inspiradas fossem encontradas em cima do altar, como de fato acontecia”. Está mais do que claro que isso não passa de lenda.
Não há menção alguma de tais procedimentos nos documentos principais que dizem respeito a Nicéia.
Ainda que essa história fosse verdadeira continuaria sem comprovação e afirmação de que o concílio rejeitou determinados livros do Novo Testamento por promoverem o feminismo ou a idéia de que Maria Madalena fora casada com Jesus.

Os documentos do Concílio estão disponíveis e eles não dizem nada sobre a aprovação do cânon 17 e a exclusão dos apócrifos por motivos machistas, mas Brown (2003), para dar legitimidade à sua ideologia pagã-feminista, utiliza-se de uma personagem histórica importante como Constantino e um Concílio importante como o de Nicéia para conduzir logicamente o seu leitor a acreditar nas afirmativas de seu livro.18 A explicação mais lógica para a formação cânon do Novo Testamento é que o mesmo foi sendo formado e aceito por dois principais critérios: 1) a origem apostólica do livros e 2) o uso que a igreja cristã fazia do mesmo. Sendo assim, livros que não foram comprovados como tendo sido escritos por um apóstolo ou alguém ligado a um apóstolo eram imediatamente descartados e deixados de lado. No segundo caso, os livros que tinham dificuldades de provarem sua origem apostólica acabaram por serem aceitos pelo uso constante que a igreja cristã fazia deles.
Quanto aos livros chamados apócrifos ou pseudo-epígrafos19 foram imediatamente rejeitados, eram pouco utilizados e quase ninguém os copiava, ficando assim sua preservação reservada à grupos dissidentes, chamados pelos primeiros cristãos de heréticos, que encontravam nesses livros algum apoio às suas doutrinas. Outros livros, como é o caso dos evangelhos e escritos gnósticos encontrados em 1945 em Nag Hamad, no Egito, eram traduções, muitas parafraseadas, de versões gregas mais antigas criadas para defender posições completamente diferentes das que estavam contidas nos chamados evangelhos canônicos.
A discussão ampla dessa questão não nos cabe aqui, todavia, é fato que não há qualquer prova de que fora Constantino quem determinara quais seriam os livros que comporiam a Bíblia, mas como ele é uma personagem histórica controversa na história da igreja cristã é usada por Brown como uma forma de legitimação de sua ideologia pagã-feminista.

2.4 Dissimulação

De acordo com Thompson (1995, p. 83):
Um segundo modus operandi da ideologia é a dissimulação. Relações de dominação podem ser estabelecidas e sustentadas pelo fato de serem ocultadas, negadas ou obscurecidas, ou pelo fato de serem representadas de uma maneira que desvia nossa atenção, ou passa por cima de relações e processo existentes. A ideologia como dissimulação pode ser expressa em formas simbólicas através de uma variedade de diferentes estratégias.

Thompson divide a Dissimulação em três estratégias básicas: 1) o deslocamento; 2) a eufemização e 3) o tropo. Comentaremos abaixo como tais estratégias de dissimulação são usadas por Brown para fundamentar suas idéias em The Da Vinci Code.

2.4.1 Deslocamento

Thompson (1995) usa o termo deslocamento para se referir a determinado objeto ou pessoa que é utilizado para se referir a um outro “...e com isso as conotações positivas ou negativas do termo são transferidas para outro objeto ou pessoa” (THOMPSON, 1995, p. 84).
A Dissimulação por Deslocamento é sutilmente utilizada por Brown para fundamentar sua ideologia pagão-feminista. Ele utiliza-se no livro de um jogo de palavras: Saint Graal com Sang Real. Também diz que existem mais de 80 Evangelhos quando na verdade só são conhecidos menos de 12. Faz ainda uma relação com os achados dos Manuscritos do Mar Morto com os de Nag Hamad, que realmente não têm relação.
Mais uma vez, é na fala de Sir Teabing que Brown (2003, p. 251) coloca essas afirmações:
“More than eighty gospels were considered for the New Testament, and yet only a relative few were chosen for inclusion – Matthew, Mark, Luke, and John among them.”

Como o livro de Brown está em forma de romance ele faz afirmações sem dar qualquer evidência e fundamentação, utiliza a fala de suas personagens para validar suas idéias e assim não se compromete com as afirmações que indiretamente faz. Todavia, há no início do livro The Da Vinci Code uma afirmação comprometedora, Brown (2003, p. 1): “All descriptions of artwork, architecture, documents, and secret rituals in this novel are accurate.”
Vejamos o que nos diz McDowell (2006, p. 39) sobre a precisão dos fatos colocados por Brown a respeito dos evangelhos:
Não havia mais de oitenta evangelhos. Por exemplo, a Coletânea Nag Hamadi, publicada em inglês em 1977, consistia apenas de quarenta e cinco títulos diferentes – nem todos eles eram evangelhos. Na verdade, ela menciona cinco trabalhos distintos de evangelhos: Verdade, Tomé, Felipe, Egípcios e Maria. A coletânea das Escrituras Gnósticas, de Bentley Layton tem apenas quarenta trabalhos, três dos quais levam o título de evangelhos e também são citados na Nag Hamadi. Na verdade, a maior parte desses trabalhos não era composta por evangelhos. A contagem mais generosa de documentos extra-bíblicos aparece em Havard, na obra Introduction to the New Testament [Introdução ao Novo Testamento], do professor Helmut Koester. Essa contagem chega aos sessenta, fora os vinte e sete livros do Novo Testamento. Entretanto, a vasta maioria desses livros não era composta por evangelhos.20

A citação de Mcdowell mostra que não há nenhuma precisão nas afirmações de Brown sobre documentos, mas por meio de deslocamento ele dissimula os fatos para defender sua ideologia pagã-feminista.
Entretanto, o deslocamento mais absurdo está nas informações que Brown nos dá a respeito do Manuscritos do Mar Morto, Brown (2003, p. 254-255):
“Fortunately for historians,” Teabing said, “some of the gospels that Constantine attemped to eradicate managed to survive. The Dead Sea Scrolls were found in the 1950s hidden in a cave near Qumran in the Judean desert. And, of course, the Coptic Scrolls in 1945 at Nag Hammadi.

Os manuscritos do mar morto foram encontrados em 1946/1947 e se trata de aproximadamente oitocentos manuscritos do Antigo Testamento, provenientes de uma seita21 ascética judaica, que se isolou nas cavernas do deserto da Judéia. Entre os manuscritos estão textos que vão desde o ano 250 a.C. até o ano 68 d.C.
Não há entre os manuscritos nenhum evangelho gnóstico e nenhum escrito neotestamentário, somente um minúsculo fragmento chamado de 7Q5, que pode ser um trecho de Marcos 6.52-53, mas que está ainda em debate.22 A questão é que não há documentos encontrados que provem a afirmação de Brown de que Constantino procurou erradicar esses evangelhos e felizmente para os historiadores eles foram encontrados em Qumran. Brown está deslocando os fatos para dissimular seus leitores a aceitarem sua ideologia.

2.4.2 Eufemização

O Dissimulação por Eufemização, se dá, em The Da Vinci Code quando Brown descreve de forma positiva o Priorado de Sião, quando sabemos, historicamente, que tal grupo era confuso e muitas vezes tolo, mas no livro é tido como o grupo protetor do segredo do Sangue Real e o Sagrado Feminino.
Um outro elemento de Dissimulação por Eufemização ocorre quando Brown valoriza o paganismo, que sabemos, em muitas de suas formas praticava o sacrifício de crianças, prostituição cultual, em que uma mulher era tomada do meio do povo para servir aos deuses como uma prostituta cultual tendo que ficar presa nos templos tendo relações sexuais com os adoradores daquele deus ou com os sacerdotes daquela religião.
O livro valoriza os rituais secretos como sendo uma forma de guardar segredos importantes que atravessam gerações, mas sabemos que em muitos rituais secretos, há, ainda hoje, sacrifício de crianças, mutilações, orgias macabras e outras atividades nada valorizadas pela sociedade moderna.

2.4.3 Tropo

Thompson (1995, p. 84) define sua compreensão desse recurso com as seguintes palavras:

Por tropo entendo o uso figurativo da linguagem ou, mais em geral, das formas simbólicas. O uso do tropo é, geralmente, confinado ao domínio da literatura, mas o uso figurativo da linguagem é muito mais amplo do que essa especialização disciplinar possa sugerir. Entre as formas mais comuns de tropo estão a sinédoque, a metonímia e a metáfora. Todas elas podem ser usadas para dissimular relações de dominação. A sinédoque envolve a junção semântica da parte a fim de se referir a uma parte. Essa técnica pode dissimular relações sociais, através da confusão ou da inversão das relações sociais, através da confusão ou da inversão das relações entre coletividades e suas partes, entre grupos particulares e formações sociais e políticas mais amplas – de modo tal que, por exemplo, termos genéricos como “os ingleses”, “os americanos”, “os russos”, passam a ser usados para se referir a governos particulares ou a grupos dentro de um estado nação. A metonímia envolve o uso de um termo que toma o lugar de um atributo, de um adjunto, ou de uma característica relacionada a algo para se referir à própria coisa, embora não exista conexão necessária entre o termo e a coisa à qual alguém possa estar se referindo. Através do uso da metonímia, o referente pode estar suposto sem que isso seja dito explicitamente, ou pode ser avaliado valorativamente, de maneira positiva ou negativa, através da associação com algo (...)

A preocupação de Thompson (1995) é mais como a análise do discurso ideológico dentro das estruturas de poder nas sociedades modernas, sendo o autor sociólogo, utiliza-se da análise das figuras de linguagem para evidenciar o discurso dessas classes dominantes em seus enunciados políticos. Embora seja importante essa análise dentro da estrutura social, para nós, a análise serve para a percepção dos elementos discursivos ideológicos presentes na obra literária. Em Brown (2003) o uso da estratégia de dissimulação por tropo (figura de linguagem), ocorre em The Da Vinci Code nas figuras:

1)Saint Graal como um símbolo do Sangue Real perpetuado por gerações e presente na nossa era;
2)O símbolo que, segundo autor, é um símbolo do útero materno e está ocultamente presente na pintura da Santa Ceia de Leonardo Da Vinci

Vejamos a citação de Brown (2003, p.257) em que essa simbolização ocorre:
Langdon winced. “Moving on, the female symbol, as you might imagine, is the exact opposite.” He drew another symbol on the page. “This is called the chalice.”



Sophie glancep up, looking surprised.
Langdon could see she had made the conection. “The chalice,” he said, “resembles a cup or vessel, and more important, it resmbles the shape of a woman’s womb. This symbol communicates femininity, womanhood, and fertility.” Langadon looked directly at her now. “Sophie, legend tells us the Holy Grail. That is to say, the legend uses the chalices as a metaphor for something far more important.”

Percebemos os usos metafóricos e simbólicos que Brown faz para validar suas idéias, o uso de tropos é constante também em outras passagens em The Da Vinci Code, de modo que o leitor é envolvido em todo um conteúdo simbólico no romance.

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